Reportagem: Riane Bernardes (Estudante do curso de Jornalismo da UJ).
A cultura do algodão no Oeste do estado da Bahia, além de gerar valor agregado, é ecologicamente mais viável do que a fibra sintética. Hoje, através do sistema de rastreabilidade é possível saber quem produz a principal matéria-prima da sua roupa.
Colheita de algodão na Fazenda Santo Antônio — Foto: Riane Bernardes
Uma peça de roupa conta sempre uma história e se ela for feita de algodão, acredite, há muito o que falar. Há alguns anos a cultura do algodão tem mudado a vida no Oeste da Bahia, a cotonicultura trouxe avanços econômicos e sociais. Atualmente, o estado é o segundo maior produtor de algodão do Brasil, colhendo nas últimas safras (2020/2021) mais de 500 mil toneladas, sendo que mais da metade dessa produção é comercializada para a indústria têxtil. Expoente do algodão brasileiro, a região tem motivos para produzir uma fibra de qualidade, tendo o clima e o solo naturalmente propícios para o plantio. A tecnologia de ponta é outro fator que qualifica a produção do estado como a melhor do país, segundo a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), desde o final de 1990 que a produção vinda da região Oeste do estado é quem abastece a indústria brasileira e internacional.
O algodão cultivado em Luís Eduardo Magalhães cresce economicamente com qualidade. Segundo Fabiano Perina, pesquisador da Embrapa Algodão (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o produtor de algodão busca produzir com rentabilidade e sustentabilidade. Esse modo de cultivo torna a fibra em questão um produto com valor agregado.
Lavoura de algodão na Fazenda Santo Antônio — Foto: Riane Bernardes
“O algodão é progresso para a região Oeste, afeta muito o valor e emprega pessoas, é uma cultura de sustentabilidade e profissionalismo, não é como as outras culturas. É preciso ser profissional para plantar algodão[..] O agro trouxe muitas oportunidades, não só de emprego, mas de investimento, pelo potencial que a região tem, (ele) trouxe movimentação ao munícipio” afirma, Alessandra Zanotto, vice-presidente da Abapa e diretora do grupo Zanotto.
Algodão brasileiro responsável é tendência
O Brasil é o maior fornecedor de algodão responsável no mundo, com mais de 88% da área plantada certificada pelo Algodão Brasileiro Responsável (ABR), o programa mais completo de certificação de pluma sustentável no mundo, e pela Better Cotton Initiative (BCI), que promove a produção sustentável de algodão em 23 países do mundo.
A Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) com o apoio das outras 10 instituições estaduais que representam, defendem e promovem o algodão produzido nos estados, entendeu que tinha o papel de incentivar o desenvolvimento de peças com fibra certificada. Assim, em 2016 o Movimento Sou de Algodão foi criado e planejado como um estímulo à moda responsável, envolvendo nessa campanha desde a cadeia produtiva do algodão até a indústria têxtil. As ações permitem que o consumidor final entenda quem está desenvolvendo a fibra da peça que ele veste, ou seja, antes mesmo dessa roupa ser comprada, já tem muita história para contar.
Acontece que, além dos brasileiros não terem costume de ler etiquetas, o consumo impulsivo causa a desvalorização daquilo que está sendo comprado. Por isso, ainda é um desafio para o Movimento disseminar a prática de consumo consciente de peças feitas de algodão, apesar de ser a fibra têxtil mais usada no mundo. Foi necessário entender como essa percepção sairia do setor de fiação para o consumidor final.
Um estilo consciente
O Sou de Algodão nasce no Brasil, para os brasileiros como uma campanha que provoca para além do aumento do consumo interno de conteúdo orgânico, o despertar do senso coletivo sobre moda sustentável, o estímulo ao mercado de algodão responsável e a valorização à união dos agentes participantes da cadeia produtiva e indústria têxtil. Essa dinâmica ocorre por meio de ações com estilistas, universidades, jornalistas e até mesmo figuras públicas nacionais, em especial do ramo da moda. São propostas atividades que apresentam as peças de algodão como uma tendência prática, estilosa e acima de tudo ponderada.
Lelê Santhana, fundadora do portal Das Modas e repórter da ELLE Brasil, recentemente foi convidada a contar no Instagram do Movimento um fato histórico na moda que envolve o algodão, nesse vídeo ela ilustra aos consumidores por que a tão famosa e usada camiseta branca é um ato de rebelião.
“Uma peça íntima que agora era usada sem pudor algum, era quase uma declaração política. […] Muito do nosso guarda-roupa vem da fibra e ela desempenha um papel importantíssimo no mercado de moda nacional. E é aí que a gente vê como o algodão pode ir muito além, se tratando de uma simples camiseta ou de uma peça de design super impressionável, a roupa, inclusive a de algodão, vai ser para sempre uma excelente maneira de transmitir uma mensagem.” afirma Lelê Santhana.
Este ano o Movimento completa um ciclo de seis anos, com 1026 marcas parceiras e participação em seis edições do São Paulo Fashion Week (SPFW), o maior evento de moda do Brasil. A atuação na Casa Dos Criadores está associada a mais um projeto de incentivo da Abapa, que inspira jovens estudantes de moda a pensarem em uma moda sustentável que inclua além do algodão, um processo de confecção responsável.
Uniforme produzido e entregue pela Abapa no segundo dia de visitas técnicas e palestras do Prêmio Abapa de Jornalismo — Arquivo pessoal de Riane Bernardes
E se a ideia é incentivar, para Alessandra Zanotto (vice-presidente da Abapa) não há melhor forma de fazer isso se não “vestindo a camisa” da ação. Para ela é importante que todos os colaboradores da associação acreditem e vivam a iniciativa.
“Todas as roupas que eu compro, eu olho a etiqueta e a composição do tecido. Claro que não uso somente algodão, mas procuro sim usá-lo na maioria das vezes[…]o algodão é uma fibra democrática.” Afirma Alessandra Zanotto.
Peças com etiquetas rastreáveis são o futuro da moda e do Sou de Algodão
O programa ABR após ser estendido às Unidades de Beneficiamento de Algodão (UBA ou algodoeiras), tornou possível a certificação da cadeia produtiva de uma peça de roupa feita com algodão, desde a lavoura até o ponto de venda.
A iniciativa chama-se SouABR e permite que compradores de marcas ligadas ao Movimento, tenham acesso ao projeto de rastreabilidade. Este é baseado na tecnologia Blockchain, que funciona como banco seguro de informações organizadas e que impede alterações, o objetivo é instigar o comprador na escolha das peças de forma cuidadosa, assim ele saberá que o algodão presente naquela peça de roupa tem certificação socioambiental.
Fibra registrada na algodoeira do Grupo Zanotto — Foto: Riane Bernardes
Através dos códigos é possível rastrear as seguintes etapas: fazenda, fiações, malharias e tecelagens, confecções e varejo. Esta última etapa é o contato direto com o consumidor e recentemente foi lançado um projeto piloto com as marcas brasileiras Reserva e Renner. A ideia é disponibilizar essas informações registradas em blocos criptografados, que são acessados por meio de um QR Code. As duas lojas parceiras são varejistas e isso também é uma novidade na moda sustentável, afinal não é comum encontrar marcas dispostas a apresentar toda cadeia fornecedora. No setor alimentício, o rastreamento é utilizado há algum tempo, mas na moda, o SouABR é uma das primeiras.
Segundo Silmaria Ferraresi (assessora do Movimento Sou de Algodão), o Movimento em si já é um propósito de futuro, o consumo responsável e produção sustentável estão sendo reconhecidos como etapas importantes na preservação ambiental.
“Quando falamos de visão a longo prazo, o que iniciamos agora com o programa Sou ABR em projeto piloto conjunto com a Reserva e Renner, que é a rastreabilidade de ponta a ponta, desde a fazenda até que essa peça chegue nas mãos do consumidor, é o nosso grande investimento para o futuro do Sou de Algodão. Nosso objetivo nos próximos anos é ter cada vez mais, mais marcas engajadas nesse propósito de entregar rastreabilidade completa[…]”, completou Silmaria Ferraresi.
Visita técnica à algodoeira do Grupo Zanotto — Foto: Riane Bernardes/ Arquivo pessoal de Riane Bernardes
É claro que na moda o fluxo de tendências aderidas estão ligadas às dinâmicas mundiais, pensando em proteção ecossistêmica a partir da constatação de mudanças climáticas nos últimos anos, a indústria da moda está repensando desde a fabricação até o descarte das peças. O Sou de Algodão e os demais programas ligados a ele provam que escolher a fibra natural é uma opção eficaz para o caminho da sustentabilidade e consumo responsável. Afinal, desde a versatilidade até o desenvolvimento socioeconômico, o algodão é benéfico e quem planta essa semente, colhe além da fibra.
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